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A dinâmica de investigação, que é, afinal, o quotidiano da Direcção do projecto Ensemble – Sociedade de Actores, determina um percurso de reflexões e interrogações sobre todos os aspectos da cultura teatral: sobre as novas abordagens, os públicos em formação, as oportunidades, o plano evolutivo dos agentes criativos, das pessoas, etc.
É nesse percurso, iniciado muito a montante do lançamento do projecto, que chegamos a cada escolha, que chegámos a Molière, a O Avarento. Quando sentimos que há, nos últimos anos, um olhar novo sobre Molière, uma nova relação dialéctica entre este genial observador de costumes e o público.
Queremos perceber como jogam hoje em cena os seus beatos que não acreditam em deus, os seus médicos de pouca fé na medicina, os seus advogados que enganam a lei, os seus críticos que não sabem distinguir o bom do mau, os seus pedantes que se servem da ciência para as honrarias do seu prestígio pessoal, as suas mulheres que professam o amor à literatura e ao conhecimento em puro exercício de snobismo, os seus poetas que trocam insultos como vulgares lacaios. Todo um rol de personagens cujas acções contradizem as palavras. Podemos fazê-los jogar em sátira social sem as limitações que Molière encontrou na sua época, com a mesma crença que ele tinha de que o Teatro tem uma vocação moral. Três séculos e meio mais tarde, todos os seus arquétipos continuam a encontrar correspondência nas pessoas que vemos, ouvimos e lemos. Sirvamo-nos deles para atacar o que eles representam, como quis Molière, mas sobretudo criando um sério divertimento.
Reler a avareza de Harpagão, reler a ganância dos homens, dos respeitáveis homens de negócios é a oportunidade quase irónica em anos de crise financeira global.
Dedicamos este espectáculo à memória do nosso querido colega e amigo Jorge Vasques.